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Romance autoral: Os 10 filhos de Matilde

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Jornada Literária – por Ana Paula Silva

Talvez para Matilde ter um filho pudesse torná-la pura novamente. A dor e o sofrimento do parto poderiam isentá-la de toda a culpa existente dentro de si. Então, mais uma vez, pela décima vez, estava Matilde barriguda. Cada chute, movimento ou contração era para ela a remissão de seus pecados.

À noite, enquanto preparava comida para 5 crianças, já que quatro tinham morrido, umas no parto outras no nascimento, Matilde cantarolava sentindo-se pura e angelical. Logo chegaria mais um bebê que a livraria de todo mal. Pensava consigo em todas as coisas boas que poderia fazer a partir de sua remissão, como mãe. Pensou em estudar, pensou em criar hábitos, pensou em começar um empreendimento, pensou, pensou, pensou, parou.

A dor recorrente, aumentando a cada minuto, era sinal de que a hora da purificação havia chegado. Desligou o fogão, avisou a filha mais velha, de 9 anos, que teria de sair rapidamente para que cuidasse dos irmãos.

Banhou-se silenciosa, sofrendo calada seu martírio, pegou a bolsa, os documentos, uma sacola com roupas suas e do bebê, encaminhou-se vagarosa a porta e saiu caminhando pela rua. A noite estava escura, fria, pura. Uma paz tomou conta de seu coração e lá foi ela percorrendo sua “Via Sacra”, daria luz a mais um anjo, pensava, seria novamente limpa e pura, cada passo uma contração, cada contração um sorriso envolto em lágrimas de dor e alegria.

O suor percorria a face negra, agora pálida, as mãos seguravam-lhe as ancas e os olhos vislumbravam a maternidade. Ao deparar-se com a porta do hospital, Matilde repreendeu- se, não teria sofrido o suficiente para se redimir. Que mal todo era esse que praticara para proporcionar a si tal flagelo? Olhou a barriga, sentiu o bebê contorcendo-se para sair, mas sentia-se despreparada, sentia-se imunda. Teria de sofrer mais, afastou-se da porta do hospital, direcionou- se à mata, conservada ao lado para verificar um “ar” de elegância ao local, inútil, a precariedade era perceptível, deitou-se ao pé de uma araucária, sofreu pelos seus pecados, gritou, chorou, sorriu e, por fim, expeliu um bebê convulso em lágrimas e envolvido em líquido. Sentiu-se pecadora novamente, precisava de um novo bebê.

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Ana Paula Silva

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